Por Frei Celso Márcio Teixeira, OFM
Um costume antes muito difundido nas igrejas era o do "pão de Santo Antônio". Tratava-se de um cofre de esmolas colocado nas igrejas com a inscrição "pão de Santo Antônio". A coleta daquele cofre destinava-se única e exclusivamente aos pobres. Mais precisamente, com aquela arrecadação comprava-se o pão que semanalmente era distribuído aos pobres. Esse costume pode-se ainda perceber em algumas igrejas em que, todas as terças-feiras, são benzidos os pãezinhos - geralmente após a missa - e distribuídos aos fiéis.
Três são os episódios apontados como origem do "pão de Santo Antônio". O primeiro narra que Santo Antônio, certa vez, comovido com a situação dos pobres, distribuíra entre eles todo o pão do convento. O frade padeiro, na hora da refeição, desesperado por não ter um pão sequer para alimentar os confrades, veio a Antônio para contar-lhe que todo o pão tinha desaparecido. Antônio pediu-lhe que verificasse mais atentamente o cesto onde se colocavam os pães. Pouco depois, voltou o frade padeiro com a notícia de que o cesto estava transbordando de tanto pão. Daquele pão foram saciados os frades e todos os mendigos que vieram pedir-lhes esmolas.
Outro episódio conta que um menino caíra e se afogara num tanque cheio de água. A mãe, em prantos, recorreu a Santo Antônio, prometendo que, se o menino recuperasse a vida, ela tomaria uma quantidade de farinha de trigo, equivalente ao peso do menino, e faria pão para distribuir aos pobres. O milagre aconteceu, e a promessa foi cumprida. Por isso, o costume teria tido no início o nome de pondus pueri (peso do menino).
Ainda outro episódio liga o "pão de Santo Antônio" a uma senhora de Toulon (França). Não conseguindo abrir a porta de seu estabelecimento, fez uma promessa a Santo Antônio que, se não fosse preciso arrombar a porta, daria certa quantidade de pão aos pobres. Conseguida a graça, cumpriu a promessa. Colocou ainda em seu estabelecimento uma imagem de Santo Antônio e um cofre com a inscrição "pão de Santo Antônio". Todas as esmolas que os fregueses ali depositavam eram usadas para comprar pão para os pobres.
Mesmo que o costume do "pão de Santo Antônio" esteja hoje quase totalmente esquecido, fato é que o nome de Santo Antônio ainda continua de alguma forma ligado aos pobres, pois muitas obras de caridade, de promoção social e de educação trazem o nome do santo. E embora divirjam os episódios que são colocados como origem da tradição do "pão de Santo Antônio", a pergunta de fundo que se nos apresenta é esta: qual foi o relacionamento de Santo Antônio com os pobres? Por que Santo Antônio mereceu receber do teólogo franciscano João de la Rochelle o título de "doce consolador dos pobres"?
Uma coisa é certa: no tempo de Santo Antônio, a pobreza era crescente. A passagem de uma sociedade feudal para uma sociedade burguesa trouxe muita pobreza, especialmente nas cidades. Enquanto a sociedade feudal se caracterizava pela posse, distribuição e uso da terra, tendo, portanto, seu centro de gravitação no campo, a burguesa caracterizava-se pelo comércio, pelo uso do dinheiro, pelo giro do capital, pelo trabalho assalariado, tendo como centro gravitacional as cidades.
E a pobreza das cidades era mais aguda do que a pobreza do campo. No campo, onde se colhia o produto da terra, o pobre sempre encontrava meios de matar sua fome e de cobrir sua nudez contra o frio. Nas cidades, o pobre não tinha muitas vezes nem sequer como matar sua fome. A falta de trabalho, a exploração por parte dos que ofereciam trabalho, os baixos salários e os altos preços das mercadorias básicas para o sustento geravam pobreza extrema, fome negra, desnutrição e doenças inevitáveis. E a nova sociedade não estava preparada para socorrer as massas de pobres que ela mesma produzia. Além de leprosários e de hospitais para peregrinos e viajantes, não havia instituições caritativas que atenuassem a indigência dos pobres. Estes dependiam unicamente da caridade (esmola) das pessoas de boa vontade.
Não consta que Santo Antônio se tenha dedicado a obras caritativas e de assistência aos pobres. O que certamente acontecia - que também se dava com Francisco e com os demais frades - é que os pobres que a ele recorriam eram acolhidos benignamente e recebiam alguma esmola.
Mas Santo Antônio, mais do que pelo fato de receber benignamente o pobre e de dar-lhe esmolas, merece o título de "doce consolador dos pobres" por ter atacado a raiz da pobreza e da miséria. Pelo que nós percebemos em seus sermões, dar-lhe-íamos antes o título de "estrênuo defensor dos pobres".
Em seus sermões, de fato, Antônio não se cansa de atacar o egoísmo dos ricos, a exploração dos operários, a opressão e espoliação dos pobres por parte dos poderosos, as violências contra a vida deles. Menção especial merece o combate que Antônio trava do púlpito contra os usurários, espoliadores inescrupulosos dos pobres, agentes de sua própria riqueza e causadores da pobreza e da desgraça de muitos infelizes, concentradores de riquezas e geradores de miséria. A melhor defesa dos pobres, portanto, foi a crítica que Antônio fez a uma sociedade que privilegiava, com grandes riquezas, a alguns, e privava a inúmeras famílias do mínimo necessário para a própria sobrevivência. E a sua crítica não era dirigida à sociedade em si, mas às pessoas diretamente envolvidas, isto é, aos ricos, aos avarentos, aos poderosos, aos usurários e até ao clero. Para Antônio, a própria situação de riqueza de alguns constituía uma afronta aos pobres. Ao comentar, por exemplo, a parábola do rico e de Lázaro (Lc 16,19-31), assim ele se expressa: "O rico afligia a Lázaro, porque lhe roubava o benefício que lhe devia dar. Diz Isaías àqueles que não dão aos pobres o que lhes pertence: 'As rapinas feitas ao pobre encontram-se em vossa casa. Por que razão calcais aos pés o meu povo e moeis a pancadas os rostos dos pobres?(. .. )' A abundância do rico afrontava a miséria do pobre e lançava-lhe ao rosto; o rico exprobrava Lázaro coberto de chagas, quando passava vestido de púrpura diante de Lázaro, que estava em frente de suas portas" (l).
Em outro sermão, comentando o texto bíblico "vi entre os despojos uma capa de escarlate muito boa" (Js 7,21), Antônio indica quem são as pessoas que tiram os poucos bens dos pobres: "A capa escarlate significa os haveres dos pobres adquiridos com muito suor e sangue ... Os soldados e os burgueses avarentos e os usurários roubam a capa de escarlate ... Os ricos e os poderosos deste mundo tiram aos pobres, a quem chamam de vilãos - sendo que eles próprios são os vilãos do diabo - os seus pobres haveres adquiridos com sangue, de que se vestem de qualquer maneira" (2).
A terminologia de Antônio tornava-se agressiva, quando se tratava de defender os "pobres de Cristo", como ele costumava chamá-los. Usava comparações que certamente em nada agradavam aos usurários. Sua linguagem era muito próxima à dos grandes profetas bíblicos, como se pode perceber neste pequeno texto: "O povo amaldiçoado dos usurários tornou-se grande e forte sobre a terra. Seus dentes são como presas de leões. O leão tem duas características: a nuca inflexível formada de um único osso e a boca malcheirosa. Igualmente inflexível é a nuca do usurário, pois ele não teme nem a Deus nem aos homens; sua boca cheira muito mal, pois ele não tem outra coisa na boca, a não ser o imundo dinheiro e sua imunda usura. Seus dentes são como os dos leõezinhos, pois ele devora os bens dos pobres, dos órfãos e das viúvas" (3).
Ao defender os pobres, Antônio não recua diante dos prelados e poderosos. Não será o fato de uma pessoa estar constituída em dignidade eclesiástica ou civil que o fará calar no peito o seu clamor profético: "Não é sem grande dor que referimos atitudes de prelados da Igreja e de grandes varões deste século: fazem esperar muito tempo os pobres de Cristo que se demoram a clamar à sua porta e a pedir esmola, com voz embargada pelas lágrimas. Por fim, depois de terem comido bem e talvez, uma vez ou outra, inebriados, mandam dar-lhes alguns restos de sua mesa e as lavaduras da cozinha (4).
Antônio era um homem cheio de compaixão pelos pobres. Ele sentia todo o drama da vida dos pobres de seu tempo. E percebia que a dramaticidade da vida do pobre eram as mãos gananciosas dos ricos e poderosos a tirar-lhe a vida. O seguinte texto mostra como é dramática a situação do pobre: "Quem segura uma pessoa pela goela, tira-lhe a voz e a vida. As posses do pobre são a vida dele; como a vida vive do sangue, assim ele deve viver disso. Se tiras ao pobre seus parcos haveres, sugas o sangue dele e o asfixias; e, no fim, serás tu mesmo asfixiado pelo demônio" (5).
Como Francisco, Antônio também vê na pessoa do pobre o sacramental do próprio Cristo. E é exatamente esta compreensão do pobre que restitui a este a sua dignidade de pessoa humana, o que, aliás, vale muito mais do que qualquer quantidade de esmolas. A esmola, por sua vez, dada a partir desta concepção, reverterá em beneficio também do doador. Sobre isto, assim se expressa Antônio: "Agora, o Senhor está à porta, na pessoa dos seus pobres, e bate. Abre-se-lhe, quando se dá de comer ao pobre. A refeição do pobre é o descanso de Cristo. O que fizerdes a um dos meus irmãos mais pequeninos é a mim que o fareis ... 'Deita a esmola no seio do pobre e ela (a esmola) pedirá por ti, para que os pecados te sejam perdoados, o teu espírito seja iluminado e a glória eterna te seja concedida" (6).
E o martelo da palavra de Antônio bate forte contra aqueles que não vêem nos pobres a pessoa de Cristo: "Esta é a resposta do avarento dada aos pobres de Cristo. Nada lhes dá, blasfema e envergonha-os. Por isso, acontecerá o que segue: 'E o seu coração morreu interiormente e ele se tornou como uma pedra.' Tudo isto acontece ao avarento, quando se lhe subtrai a graça e é privado de entranhas de piedade (7).
A visão do pobre como sacramental de Cristo, ao mesmo tempo que provoca em Antônio indignação contra os avarentos e usurários, move-o de compaixão para com os defeitos dos pobres. E ele vê na pobreza, e não na riqueza, a medicina capaz de curar os defeitos das pessoas. Assim, ele diz em um de seus sermões: "Se acaso vemos coisas repreensíveis nos pobres, não devemos desprezá-los, porque talvez a medicina da pobreza cure os que a fraqueza do caráter vulnera" (8).
O combate de Antônio a partir do púlpito teve efeito muito concreto. Não se sabe qual o conteúdo de suas pregações quaresmais na cidade de Pádua no ano de 1231. Mas ele deve ter batido muito e fortemente na tecla dos usurários. Resultado destas suas pregações foi uma lei, promulgada em Pádua, que dizia respeito à usura e às leis válidas para o empréstimo de dinheiro. As leis vigentes puniam os devedores e fiadores insolventes com a prisão perpétua, independentemente se a pessoa apenas estava impossibilitada de pagar ou se dolosamente se recusava a pagar suas dívidas. Com isto, os usurários, os magnatas do capital, apossavam-se dos bens do devedor e do fiador insolventes. Deste modo, o devedor, além de ser vítima do sistema iníquo da usura, era vítima de uma lei injusta.
Aos 15 de março de 1231, o governo de Pádua promulgou uma lei nova nos seguintes termos: "A pedido do venerável irmão Antônio, confessor da Ordem dos Frades Menores, para o futuro, nenhum devedor ou fiador poderá ser privado pessoalmente de sua liberdade, quando ele se tornar insolvente. Somente suas posses poderão ser apreendidas neste caso, não porém sua pessoa e sua liberdade".
Diz o provérbio: percam-se os anéis, salvem-se os dedos. Com esta lei promulgada por sua intercessão, Antônio conseguia pelo menos salvar a dignidade das vítimas da usura.
1. Sermão do I Domingo de Pentecostes.
2. Sermão do X Domingo de Pentecostes.
3. Sermão do Domingo da Sexagésima.
4. Sermão do Domingo da Ressurreição.
5. Sermão do XXII Domingo de Pentecostes.
6. Sermão do Domingo da Ressurreição.
7. Sermão do Domingo da Ressurreição.
8. Sermão do I Domingo de Pentecostes
Nenhum comentário:
Postar um comentário