Impunidade
vs.
Inimputabilidade:
o mito e a inconstitucionalidade
Nas duas últimas reflexões constamos que temos nas mãos uma juventude marcadamente ferida pela exploração dos adultos e o abandono do Estado. Ao verificarmos as diversas pesquisas disponíveis percebemos que os jovens aparecem como a maioria das vítimas da violência. São diversos os casos de espancamento, exploração sexual, entre outras, praticados tanto pelas famílias, conhecidos, estranhos e até mesmo pelo Estado. Deste podemos destacar a ingerência e a incapacidade de cumprir o que garantem os artigos constitucionais no que tange à educação, saúde, saneamento, moradia, etc; faltam-nos políticas públicas eficazes para garantir a dignidade da população pobre, principalmente da infanto-juvenil!
O jovem, enquanto “vítima preferida” da violência familiar e social, é privado dos seus direitos básicos; enquanto “violentador” o jovem é fruto dessa violência institucionalizada que relaciona muitas vezes, de modo impróprio, a violência à pobreza. O jovem das favelas, por exemplo, é rotulado como marginal pelo simples fato de residir em uma área de risco social. O que levanta outro problema, o dos jovens autores de ato infracional das classes A e B, que estão protegidos por uma “prática social” de impunidade da elite. Como destaca FOCAULT, a Lei “obriga a todos os cidadãos, mas se dirige principalmente às classes mais numerosas e menos esclarecidas”.
Podemos perceber que a maioria dos atos infracionais cometidos pelos jovens referem-se àqueles contra o patrimônio. Incentivados pela mídia e pela suposta necessidade de ter o “último modelo de celular”, o “tênis do momento”, sendo "empurrados” para a criminalidade como vimos anteriormente. Pois, não são oferecidas a eles nem oportunidades de educação, nem de trabalho, muito menos de acesso a uma alimentação saudável e à cultura, à saúde, etc. Daí dizermos que a adolescência envolvida com a criminalidade, se constrói a partir da negação de direitos.
Com isso estaríamos justificando a criminalidade e afirmando que o jovem deva permanecer impune? Evidente que não. Contudo, o jovem realmente sairia impune se o ECA fosse cumprido no que diz respeito às penalidades de “responsabilização” como manda a Contituição? O Art. 6º do Estatuto fala em garantia dos “direitos e deveres”, de modo que podemos afirmar que existem mecanismos nos artigos seguintes para a responsabilização de seus atos. Se o ECA fosse cumprido tanto na garantia dos direitos, como na agilidade da responsabilização dos autores de ato infracional, sem dúvida o sentimento de impunidade, por parte adolescente autor de ato infracional e da sociedade, seria amenizado de forma real e eficaz. Basta verificarmos a experiência que acontece em São Carlos (SP) com o NAI (Núcleo de Atendimento Integrado) em que o ato infracional praticado por menores de 18 anos foi reduzido a uma taxa próxima a “zero”, bem como uma grande redução nos casos reincidência. Com um diferencial, entretanto, ocorreu responsabilização com educação!
Por outro lado, note-se também que os direitos e as garantias individuais na Constituição Federal de 88 são intocáveis pelo Art. 60, § 4º, inciso IV do texto Constitucional que, inclusive, veda a deliberação sobre mudanças em artigos desta natureza (ver art. 6º do ECA). Sendo que a “Lei Maior estabeleceu, de forma imutável, petrificada, o critério puramente biológico de presunção absoluta de inimputabilidade para os menores de 18 anos, nele não interferindo o maior ou o menor grau de discernimento” (Agência de Notícias do Senado, Comissão de Cidadania e Justiça 2007– CCJ). Portanto, a proposta de redução é inconstitucional, sendo que o critério absoluto é biológico valendo a inimputabilidade para todos os menores de 18 anos, devendo em caso de ato infracional o menor de 18 sujeitar-se às providências previstas pelo ECA. O artigo 228 da Constituição assim expressa: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Sendo assim, “o artigo 228 garante ao adolescente”, sob a forma de direito e garantia individual o critério biológico, já que considerado um sujeito de direitos, “sua inimputabilidade, da mesma forma que o artigo 5º garante a todos os cidadãos a não-aplicação das penas de morte, perpétua, de trabalhos forçados, de banimento ou cruéis”(Gercino Neto). Sendo a “legislação especial” nada menos que o Estatuto da Criança e do Adolescente.
É importante lembrar que “inimputabilidade não significa impunidade. O próprio ECA, ao tratar das medidas sócio-educativas, prevê que o jovem pode ficar até nove anos dentro do sistema de medidas sócios-educativas, progredindo do regime de internação para a semi-liberdade e em seguida para a liberdade assistida. Portanto, não se deve considerar apenas o limite de três anos para a internação, como o tempo máximo de permanência do jovem sob tutela do Estado” (CCJ). Outra questão é que se levarmos em conta o tempo de pena de um adulto, antes de ser aprovada a nova redação da lei de progressão de pena (dia 08/03/07), que aumenta para 3/5 de pena cumprida (antes era de 1/6) para se pedir progressão da mesma, quando um adulto cometia um “homicídio, por exemplo, tem pena entre 6 e 20 anos, em caso de pena mínima, após progressão de regime, o assassino pode ser libertado em menos de três anos, assim como, os delinqüentes que comentem crime de estupro e exploração sexual de crianças e adolescentes” (CCJ).
Concluímos, ainda que de forma incompleta, nossa defesa em favor da aplicação do Estatuto da Criança do Adolescente a partir de um maior comprometimento e vontade política dos Governos, da sociedade e da própria mídia; a inconstitucionalidade da proposta de redução da maioridade penal que se apresenta como direito e garantia individual da pessoa menor de 18 anos, tendo o art. 228/CF88 o critério biológico por argumento pétreo em sua redação. Bem como, defendemos que o puro cumprimento do ECA não será eficaz se não houverem, ações paralelas que façam valer os direitos de todos os cidadãos, sem prescindir dos deveres presente em cada direito garantido.
Portanto, temos é que colocar a “mão na massa” e levar o Estatuto à sua prática, o que somente será possível com o pleno comprometimento dos Estados da Federação e da União e de toda a população. Pois, trocar o conceito de medida sócio-educativa pela simples idéia de punição retributiva é um retrocesso aos avanços conquistados democraticamente ao longo da história; bem como o perigo de que com a supressão de um direito individual possa-se abrir a porta para que outros direitos sejam perdidos.
Fontes de Pesquisas e sugestões de leitura:
VERONESE, Josiane Rose Petry. A figura da criança e do adolescente no contexto social: as vítimas e autores do ato infracional. In VERONESE, J.R.P. Infância e adolescência, o conflito com a lei: Algumas discussões. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2001. pp. 09-38.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Lei nº 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Sites Sugeridos:
Núcleo de Atendimento Integrado – São Carlos(SP): www.linkway.com.br/nai (Saiu do ar) - Acessar: http://www.saocarlos.sp.gov.br/index.php/prefeitura/utilidade-publica/nucleo-de-atendimento-integrado-nai.html
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