terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Em foco: Igreja e Democracia


 
O Bem Comum:
Fim e Critério Regulador da Vida Política

É importante ressaltar desde o início que a Igreja vê a Democracia com bons olhos e a apóia. A Igreja, assim, estabelece não apenas critérios para distinguir entre uma Democracia que se aproxime de seu ideal democrático e de uma democracia falseada.
Assim, apresentamos qual o juízo que a Igreja tem sobre a democracia. Este juízo se encontra explícito e articulado na Encíclica Centesimus Annus:

A Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto, favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objetivos ideológicos. Uma autêntica democracia só é possível num Estado de direito e sobre a base de uma reta concepção da pessoa humana. Aquela exige que se verifiquem as condições necessárias à promoção quer dos indivíduos através da educação e da formação nos verdadeiros ideais, quer da “subjetividade” da sociedade, mediante a criação de estruturas de participação e co-responsabilidade.[i]

Como havíamos manifestado de início a Centesimus Annus explícita a simpatia da Igreja para com o sistema da democracia. Ao mesmo tempo, porém, estabelece alguns elementos necessários como a de que o poder deve estar nas mãos dos governados (ainda que estes sejam representados), não podendo haver quem usurpe o poder do Estado, isto é, do povo que forma o Estado. Há a necessidade de uma “reta concepção da pessoa humana”, bem como deve zelar para as que existam as “condições necessárias à promoção dos indivíduos”, salientando a importância da educação na formação de uma sociedade verdadeiramente democrática.
Para se ter êxito, na constituição de uma sociedade democrática são necessários, segundo Magistério, que a democracia leve em conta alguns valores essenciais. A democracia não é, portanto, mero respeito formal de regras, mas é a convicta aceitação de alguns valores inspiradores dos processo democráticos quais sejam: “a dignidade da pessoa humana, o respeito dos direitos do homem, do fato de assumir o ‘o bem comum’ como fim e critério regulador da vida política. Se não já um consenso geral sobre tais valores, se perde o significado da democracia e se compromete a sua estabilidade.”[ii]
Como se percebe o bem comum é o fim e o critério para um autêntico exercício da democracia, sem com isso negar o individuo, como nos lembra João Paulo II na Encíclica Centesimus Annus sobre o erro de caráter antropológico do socialismo[iii].
Outro desafio nesse sentido é que a cultura líquida da pós-modernidade leva a uma concepção de que não existe “um critério objetivo e universal para estabelecer o fundamento e a correta hierarquia dos valores”[iv]. O mesmo problema pode ser notado no que diz respeito ao debate sobre o estatuto epistemológico da bioética, por exemplo.[v]
O Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 407, alerta que “se não existe nenhuma verdade última que guie e oriente a ação política, então as idéias e as convicções podem ser facilmente instrumentalizadas para fins de poder. Uma democracia sem valores converte-se facilmente num totalitarismo aberto ou dissimulado, como a história demonstra”[vi].
A validade, porém, do critério do bem comum é também um critério para estabelecer uma autêntica relação entre os governados e seus representantes (governantes):

A obrigação que os governantes têm de responder aos governados não implica de modo algum que os representantes sejam simples agentes passivos dos eleitores. O controle exercido pelos cidadãos, de fato, não exclui a necessária liberdade de que devem gozar no cumprimento de seu mandato em relação aos objetivos a perseguir: estes não dependem exclusivamente de interesses de parte, mas em medida muito maior da função de síntese e de mediação em vista do bem comum, que constitui uma das finalidades essenciais e irrenunciáveis da autoridade política.[vii] (grifo nosso)

O bem comum, assim, é sugerido não apenas como um pressuposto pelo Magistério da Igreja, bem como verdadeiro critério e fim regulador da vida política e, portanto, da democracia.


[i] João Paulo II, Centesimus Annus, 46. In. http://www.vatican.va/edocs/POR0067/__P7.HTM Acesso em: 22.11.2011.
[ii] Pontifício Conselho Justiça e Paz. Compêndio da Doutrina Social da Igreja (2004), 407.  Disponível em: < http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html#Os valores e a democracia>. Acesso em: 22.11.10.
[iii] Este erro de caráter antropológico “considera cada homem simplesmente como um elemento e uma molécula do organismo social, de tal modo que o bem do indivíduo aparece totalmente subordinado ao funcionamento do mecanismo econômico-social”. Centesimus Annus, 13.
[iv] Compêndio ..., 407.
[v] Cf. Sgreccia, Elio. Justificação epistemológica, fundação do juízo bioético e metodologia da pesquisa em bioética. In. ________ . Manual de Bioética, fundamentos e ética biomédica. Vol. I. São Paulo: Loyola, 1996, 59-95
[vi] Centesimus Annus, 46.
[vii] Compêndio..., 409.

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