terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Igreja e Missão: a partir dos discípulos missionários



Mandato missionário de Jesus

A Igreja é a comunidade dos discípulos missionários de Jesus e, por isso, compartilha da mesma missão de Jesus, animada pelo Espírito: anunciar a boa notícia do Reino de Deus.
A Igreja recebe de Jesus esse mandato: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho” (Mc 16,16). Este mandato não é simplesmente sair por aí falando de Deus. É preciso ser seguidor, e mais que seguidor, é preciso ser discípulo. Não um discípulo que aprende de seu mestre dogmas a serem reproduzidos, mas que se encontra com a pessoa de Jesus que é mestre, mas um mestre que acompanha e é companheiro. E nesse encontro do discípulo com   seu mestre, acontece uma profunda experiência do discípulo com Deus. Não basta, portanto, encontrar-se com Jesus, é preciso que esse encontro seja verdadeiro, a tal ponto que o discípulo sinta-se impelido a ser testemunha, a querer compartilhar com os outros essa experiência, esse encontro. O verdadeiro discípulo não consegue guardar Deus apenas para si, ele precisa ser missionário: “Ai de mim se eu não evangelizar ” (1Cor 9,16). O discípulo missionário é também alguém que percebe que a missão de Jesus é a sua missão e que esta missão só se realiza na vida fraterna (Cf. At 2,42ss).


A missão de Jesus

Mas, qual é a missão de Jesus? Ele mesmo nos diz citando o profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou pela unção para evangelizar os pobres, enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19). E como o discípulo vive essa missão? Encontramos outra grande expressão no chamado Sermão da Montanha (Cf. Mt 5), verdadeiro programa de vida do discípulo missionário.

O discípulo missionário assume com ardor profético a missão de levar o evangelho. O verdadeiro encontro com Jesus produz esse ardor, esse abrasamento do coração (Cf. Lc 24,32), só assim o discípulo será verdadeira testemunha profética. Neste sentido é “preciso que o nosso zelo evangelizador brote de uma verdadeira santidade de vida, alimentada pela oração e sobretudo pelo amor à eucaristia, e que, conforme o Concílio nos sugere, a pregação, por sua vez, leve o pregador a crescer em santidade” (EN 76). O mundo, apesar de muitas vezes parecer ou mesmo rejeitar Deus,

reclama e espera de nós simplicidade de vida, espírito de oração, caridade para com todos, especialmente para com os pequeninos e os pobres, obediência e humildade, desapego de nós mesmos e renúncia. Sem esta marca de santidade, dificilmente a nossa palavra fará a sua caminhada até atingir o coração do homem dos nossos tempos; ela corre o risco de permanecer vã e infecunda. (EN 76)

A missão do discípulo missionário não é, portanto, apenas falar do evangelho, mas viver do evangelho e não ser apenas mero ouvinte ou repetidor de frases e textos (Cf. Tg 1,22). O Reino de Deus, a Salvação recebida, Jesus mesmo, Verbo encarnado, deve ser Vida na vida do discípulo e o discípulo leva essa mensagem, pela pregação e pelo testemunho, a todos os homens e mulheres do mundo inteiro, pois o evangelho se dirige a todos.

A missão do discípulo missionário é a mesma de seu mestre: “evangelizar o pobres” (Lc 4,18). Essa missão tem uma opção preferencial, é a opção pelos pobres. É a eles em primeiro lugar, mas não só a eles, que deve ser anunciada a boa notícia do Reino de Deus e a própria pessoa de Jesus. Sem essa opção, diríamos até, “fundamental” (ainda que não em si mesma, mas a partir de Jesus de Nazaré) uma vez que um anúncio que não a considere é um anúncio pela metade, falseado e que “enterra” boa parte do anúncio e do testemunho cristãos.

Por fim, para um autêntico anúncio, o mundo cristão tem duas tarefas em sua pretensão de ser uma religião universal: 1) “recuperar a própria função universalista sem implicações coloniais, imperialistas, eurocêntricas”; 2) “recuperar a própria função universalista, ‘acentuando sua vocação missionária como hospitalidade e como fundação religiosa (paradoxal quanto se queira) da laicidade (das instituições, da sociedade civil, da própria vida religiosa individual)’”.[1]
Uma visão de “hospitalidade” num mundo plural – “de babel cultural” – é um caminho possível para superar fundamentalismos que impedem o verdadeiro testemunho cristão. “A renovação da sociedade passa igualmente pela renovação da vida religiosa. Então, a grande missão do cristianismo, hoje, consiste em passar do universalismo à hospitalidade”.[2] Características dessa hospitalidade são apresentadas por Leonardo Boff: “a boa vontade fundamental, acolher generosamente, dialogar francamente, negociar honestamente, renunciar desinteressadamente, responsabilizar-se conscientemente, relativizar corajosamente e transfigurar inteligentemente.”[3]
É, por isso, que a hospitalidade é um confiar no outro, aceitando-o, é um pensamento no sentido da kénosis de Jesus que não se colocou do lado do poder, do templo, das leis, mas do lado dos pobres e oprimidos.[4]
Portanto, o discípulo-missionário necessita desenvolver em si a cultura da hospitalidade, do diálogo (também ecumênico e inter-religioso), do testemunho profético da pessoa e da missão de Jesus. Só assim será possível um novo mundo, um passo a mais para a realização do “já”, mesmo que “ainda não”, do Reino de Deus.



[1] Sandrini, Marcos. Religiosidade e Educação: no contexto da pós-modernidade. Petrópolis: Vozes, 2009, 157.
[2] Cf. Ibid., 157.
[3] Cf. Ibid., 158.
[4] Cf. Ibid., 158.

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