segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Impunidade pra quem?

Heloisa Helena
Ao encontrar e ler este artigo, não pude deixar de partilhá-lo com vocês. Sei que a Heloisa Helena tem ela também as suas ambiguidades, mas particularmente admiro-a pela sua autenticidade e boa vontade. Este artigo, em particular, traz um questionamento sério sobre a atual situação de impunidade em nosso país. Espero que gostem e se deixem questionar:


Os velhos humanistas espanhóis propagavam em belo enunciado que as leis ao serem aplicadas deveriam ser flexíveis para os fracos, firmes para os fortes e implacáveis para os contumazes. Na realidade, dos nossos tristes e violentos dias, os fracos enfrentam o rigor das leis ou a própria barbárie em que eles estão inseridos enquanto que os poderosos e contumazes sempre conseguem usufruir da flexibilidade da legislação e das benécias do poder para consolidar a vergonhosa impunidade. Vez ou outra – tipo um em um milhão – é que um desses poderosos é condenado até para salvaguardar o próprio sistema e sua podridão! 

Em outro texto – antigo e bastante atual – o Pe. Antonio Vieira alertava que até Jesus tratava de forma diferenciada o ladrão pobre do ladrão rico… Para Dimas – pobre e por isso mesmo crucificado com Ele e que nada tinha a restituir – o perdão imediato em “Estarás comigo hoje na Casa do meu Pai!”… Para Zaqueu – rico não por trabalhar, mas por muito roubar – o perdão só veio mesmo quando ele se assumiu como ladrão e se comprometeu a restituir quadruplicado o que tinha roubado! O texto é de 1655, mas muito atual ao mostrar a metodologia dos “príncipes” que conjugam de todas as formas e modos o verbo roubar e costumam não restituir o dinheiro público vorazmente roubado e até ousam restituir aos cargos aqueles igualmente mal acostumados na conjugação do tal verbo. Segundo o referido Padre vão todos para o inferno e eu sempre fico a me perguntar se haverá braseiro suficiente pra tanto político cínico e ladrão… por isso prefiro lutar para que essas excelências delinqüentes sejam devidamente condenados, como manda a legislação em vigor no país, na experiência terrena mesmo!

Mas analisemos a situação concreta – e alternativas de reversão – de quem está sendo cotidianamente condenado de forma implacável, sem julgamento, sem conhecimento das motivações e vivenciando as penalidades, sem possibilidade de superação dos dramáticos momentos do cotidiano e sem mecanismos objetivos de ressocialização se já formalmente encarcerados. Existem milhões de seres humanos em nosso país (Alagoas ostenta os piores indicadores sociais) que nasceram em comunidades vulneráveis socialmente nas periferias e são condenados à miséria humana (que é infinitamente mais infame que a pobreza absoluta). Foram condenados a nascer em condições absolutamente precárias – e se não foram jogados numa calçada em noite fria ou numa lata de lixo – foram condenados a ter como chão para suas brincadeiras os esgotos a céu aberto… Foram condenados a morar num casebre sem lençóis limpos e perfumes delicados, compartilhando camas com adultos onde a sexualidade precoce é estimulada ou a maldita iniciação sexual é ditada pelo abuso e exploração na pedofilia… Foram condenados a não manusear a textura dos papéis de livros cheios de estórias e desenhos maravilhosos que poderiam até encantar e suavizar as suas próprias histórias dilacerantes de dias e dias de gritos, espancamento, alcoolismo e outras drogas, destruição de laços afetivos familiares e tantas outras situações angustiantes… Foram condenados a perderem seus nomes e a ingenuidade da identidade infantil, pois logo cedo foram “incluídos” como aviãozinho, fogueteiro, mula do pequeno e maldito tráfico de drogas – conduzido por pequenos bárbaros – para fomentar a imensa riqueza de uma canalha muito rica e poderosa, que vive muito distante das favelas e movimentam bilhões de dólares com as drogas psicotrópicas lícitas ou não… Foram condenados nos presídios imundos a se tornarem depósitos de AIDS, tuberculose, hepatites, hanseníase e a serem estuprados e violentados na sua dignidade pelos chefes dos presídios – que já barbarizados pela vida – criam verdadeiras “escolas” de crimes e perversidades para a grande maioria que lá está por ser pobre e por ter praticado pequenos delitos e acaba saindo do cárcere com “diploma” de assassino potencial.

Quais as opções a serem assumidas e implementadas por uma sociedade que se apresenta como moderna e civilizada? Quais os verdadeiros compromissos de uma sociedade que se apresenta como democrática, mas admite de forma cínica e dissimulada a tirania da miséria e do sofrimento dilacerador? Quais os verdadeiros Projetos para minimizar a Violência em Prevenção – educação, música, cultura, esporte, emprego digno – e Repressão – com condições dignas de trabalho e salários para os trabalhadores civis e militares da área de segurança pública – e na Recuperação e Ressocialização – do tratamento dos usuários de drogas psicotrópicas até a capacitação profissional e inserção econômica… Quais as Metas e Prazos e Cronogramas para a implementação das Ações, Projetos, Leis? Volto a insistir na necessidade de implementação de Políticas Públicas voltadas para intervenções globais em comunidades vulneráveis socialmente antes que a indigência social e a miséria humana aniquilem as possibilidades, de talento e vida digna, para milhões de crianças e jovens que podem acabar vivenciando apenas o triste e perverso decreto das gerações perdidas. Sempre lutei muito por tudo isso – com Projetos, Emendas ao Orçamento, Propostas Concretas – mesmo sendo incompreendida pela inocência de alguns e atacada pelos sórdidos vigaristas das gangues políticas que não aceitam conviver com quem não é domesticada pelo banditismo deles. Continuo lutando e acreditando que é possível resgatar o que de melhor e mais belo ainda possa existir especialmente nas crianças e jovens – em situações de risco – antes que a vida os condene à barbárie e se encarregue de afastá-los definitivamente da solidariedade, da bondade, da compaixão, do amor! Como dizia Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor da sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender e, se pode aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar!”.

*HELOÍSA HELENA, vereadora pelo PSOL em Maceió.

Email: heloisa.ufal@uol.com.br
Twitter: @_heloisa_helena


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